sexta-feira, 29 de agosto de 2008

A história de quando éramos peixes - Neil Shubin

Título: A história de quando éramos peixes - uma revolucionária teoria sobre a origem do corpo humano.
Autor: Neil Shubin
Ano: 2008
Editora: Campus/Elsevier
Páginas: 208
Preço: R$ 55,00 (na Submarino está por R$ 44,90)
Original: "Your inner fish - a journey into 3.5-billion-year history of the human body", 2008, Pantheon Books.
Tradução: Regina Lyra
Revisão Técnica: Tatiana Ferreira Robaina
ISBN: 978-85-352-2079-7
ISBN (original): 978-0-375-42447-2

Neil Shubin é paleontólogo da Universidade de Chicago e líder do grupo que descreveu o fóssil de Tiktaalik roseae, uma espécie de sarcopterígio (peixe com nadadeiras lobadas, grupo ao qual, tecnicamente, pertencemos também) que viveu há cerca de 375 milhões de anos em águas rasas tépidas de onde hoje é a ilha Ellesmere, ao norte do Canadá.

O autor parte desse achado para falar sobre as alterações ocorridas na transição entre a morfologia de um peixe e a de um tetrápodo (sua especialidade). O título em português é sugestivo, mas a intenção do autor é mais explícita (e mais poética) no original em inglês: "Your inner fish" ("Seu peixe interior"). É bom destacar o que Shubin assinala em meio às notas ao capítulo 1: "Eu poderia tê-lo chamado de 'Nosso Humano Interior', escrevendo-o a partir do ponto de vista de um peixe. A estrutura de tal livro seria curiosamente similar: um foco na história que humanos e peixes partilham em corpo, cérebro e células. Como vimos, todo ser vivo partilha uma profunda parte de sua história com outras espécies, enquanto uma outra parte da sua história lhe é exclusiva." Assim evitaremos qualquer acusação de antropocentrismo, ou de que sugira sermos o ápice de evolução.

Embora discorra sobre as alterações nos planos corporais ocorridas nessa transição - e nas subseqüentes - da vida vertebrada na conquista do ambiente terrestre, a ênfase maior ao longo do argumento é sobre o quanto se *conservou* desse padrão original - no fundo somos basicamente uma variação do tema presente nos peixes e em outros organismos com planos corporais mais simples ou apenas diferentes dos nossos (como as águas-vivas e esponjas).

Mesmo sendo paleontólogo, Shubin não se detém tanto em detalhes de descrição anatômica dos organismos - dá umas pinceladas sobre o essencial -, procura mais integrar esse conhecimento com as informações obtidas no campo da genética e da embriologia, bem ao gosto da chamada evo-devo (a Biologia Evolutiva do Desenvolvimento).

A linguagem é bastante acessível - e, na verdade, as notas explicativas da versão brasileira é que me parecem mais complicar do que explicar (não que isso invalide o trabalho da revisão técnica, que certamente fez mais do que acrescentar algumas notas ao rodapé das páginas). Shubin usa de um estilo leve e bem-humorado - por vezes, em minha opinião, um tanto abusivo (como ao explicar o padrão de herança e da árvore genealógica das espécies por meio de uma família de palhaços que sofrem mutações sucessivas que são passadas às gerações subseqüentes: formando um padrão aninhado de subgrupos - pessoas com nariz de palhaço, pessoas com nariz de palhaço e pés compridos, pessoas com nariz de palhaço + pés compridos + cabelos encaracolados laranjas), mas que outros leitores poderão achar engraçado. Na maior parte das vezes, no entanto, (em minha opinião) acerta no tom (como na fotografia das vísceras de um tubarão em que identifica um lobo abaixo da massa maior do fígado simplesmente como "mais fígado").

A tradução é boa o bastante para preservar essas tiradas mais sutis, embora cometa aqui e ali um pecadilho: a indecisão entre chamar a estrutura auditiva de "ouvido" ou de "orelha" faz com que no índice remissivo conste apenas "ouvido" e remeta a páginas em que a palavra não aparece como tal: estará "orelha"; às vezes, chama nadadeiras de "guelras"; e uma tradução equivocada de um termo (talvez "jellyfish" ou algo assim) leva a, na página 97, sugerir-se que peixes não tenham ânus. (A lista mais completa dessas observações sem nenhuma pertinência maior deixei disponível aqui.)

No todo, a obra compensa, vale a pena ser lida, mesmo para os que são especialistas (a bibliografia é bastante atualizada, até pela dinâmica atual do campo abordado) e para os que não são especialistas a leitura é indolor (e ainda assim acresce-se bastante o conhecimento, contrariando o mote da Nike nos anos 90: "no pain, no gain" - "sem dor, sem ganho").

Como uma nota final, o subtítulo da versão brasileira: "uma revolucionária teoria sobre a origem do corpo humano" - pode ser visto de dois modos. Ela não é revolucionária, já que a teoria da evolução de Darwin/Wallace está para completar 150 anos ano que vem. Ela é mesmo revolucionária, ao termos em mente que cerca de um terço dos brasileiros acreditam no criacionismo (dados do Ibope, 2002).
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Upideite (16/set/2009):



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Outras resenhas:
Outras leituras:
  • Carroll, Sean 2006. Infinitas formas de grande beleza - como a evolução forjou a grande quantidade de criaturas que habitam o nosso planeta. Jorge Zahar Editor. 303 pp.
  • Zimmer, Carl 1999. À beira d'água - macroevolução e transformação da vida. Jorge Zahar Editor. 335 pp.