segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O Canto do Dodô - David Quammen

Título: O canto do dodô: biogeografia de ilha numa era de extinções
Autor: David Quammen
Editora: Cia. das Letras
Páginas:789
Preço: R$ 89,50
Original: The song of the dodo - Island biogeography in an age of extinction
Tradução: Carlos Affonso Malferrari
ISBN: 978-85-359-1263-0
ISBN (original): 978-0684827124

Spoiler alert: não contém pandas*.

O original já tem 18 anos (é de 1996), e tenho o exemplar da versão brasileira há um par de anos, mas só agora cuidei de ler o calhamaço de quase 800 páginas. E... vale a pena.

Sim, às vezes há um excesso de enumerações - de obras e artigos, de organismos em risco de extinção ou extintos, de ilhas e localidades, de nomes de pesquisadores, de reservas naturais, de fatores bióticos e abióticos... (se você acha esta lista maçante, bem, as de Quammen são umas três vezes mais longas).

Mas pode ser interpretado caridosamente como o cuidado com que o autor trata a questão, detalhando o máximo possível para cobrir toda a gama e deixar pouca margem à dúvida de que ele fez um grande esforço na produção do texto e na coleta das informações. Não apenas fez turismo ao redor do globo sob a desculpa de produzir um livro.

Quammen ao longo das páginas resgata toda a história da Biologia de Conservação e, como o subtítulo entrega, sua base teórica principal: a Biogeografia de Ilhas de Robert McArthur e E.O. Wilson - que está quase para a ecologia como a Teoria da Evolução de Darwin está para o restante da Biologia: um quadro que dá sentido a todos os fatos isolados a respeito de como funciona a dinâmica de extinções e chegadas de espécies a um dado local (não apenas ilhas como uma porção de terra cerca de água por todos os lados, mas como um pedaço de um dado hábitat cercado de qualquer coisa desfavorável à permanência dos organismos desse hábitat).

Não está em ordem cronológica dos eventos históricos. Não está claro se está em ordem cronológica das andanças de Quammen pelo mundo entrevistando especialistas e testemunhando in loco as desventuras de organismos e hábitats pressionados pela expansão da intervenção humana: cidades, terras agricultadas, exploração de madeira, caça, pesca, introdução de espécies exóticas... Porém o quadro geral vai se desvelando aos poucos: de dramas locais de perdas de florestas e porções de biomas ao problema geral da extinção acelerada de espécies ao redor do planeta. E como a ciência pode, ou não, ajudar a estancar a degeneração ecológica.

As quase duas décadas, inevitavelmente, introduzem algum grau de desatualização - sobretudo em um texto que cobre uma área científica. Conservadorismo de nicho, mudanças climáticas, clonagem (e desextinção), são alguns dos tópicos que se desenvolveram desde a publicação do livro. Mas o esquema geral se mantém, de modo que a mensagem principal da obra: como a fragmentação dos ambientes ameaça a diversidade biológica - não é prejudicada.

O trabalho marcante de Wallace - com sua longa jornada na Amazônia brasileira e nas florestas da Malásia - tem destaque no início da obra. Com direito a uma espicaçada - eu diria injusta - a Darwin, por conta da ação para a apresentação conjunta das ideias dos dois naturalistas na famosa reunião de 1/jul/1858 da Linnean Society of London a respeito da evolução orgânica.

Há mapas, claro, que nos permitem acompanhar a maior parte dos trajetos feitos e ver onde se localizam as regiões descritas. O problema é que ficam algumas páginas um tanto distantes de onde começam os trechos correspondentes no texto e não há uma remissão ali para localizar as figuras. Alguns mapas estão repetidos porque as regiões são retomadas em pontos adiantes do livro, mas isso poderia ser resolvido com as remissões. Não há figuras coloridas que ilustrem as paisagens e organismos descritos - ajudariam na visualização pelos leitores, mas painéis a cores poderiam tornar a edição ainda mais cara.

O pecado maior é que o autor detalha os diálogos com os eminentes cientistas com generosas aspas de vários parágrafos, mas quando descreve suas conversas altamente informativas com nativos de diversas ilhas e ilhotas elas sejam representadas por frases curtas. Cada uma com uma ideia. Às vezes como uma redação das séries inciais. Meio entrecortadas. É justificável do ponto de vista estilístico. E deve reproduzir o ritmo da conversa. Especialmente por ser intermediada. Já que são falantes de línguas que o autor não domina. Mas a menos que se seja fã do Cosme Rímoli, é algo que passa uma ideia de pouca articulação, ainda mais contrastando com as aspas dos pesquisadores. Acho que um esforço maior de reconstituir a conversa de modo mais fluido e menos recortado tivesse um efeito melhor geral.

Fora isso, o ritmo da narrativa de Quammen é muito gostoso de acompanhar. Não faltam (nem sobram) observações perspicazes com aquela ponta irônica. E.g.: "O trabalho de campo de Gleason era elegante e suas estatísticas interessantes - ao menos para um ecólogo botânico." Embora nem sempre acerte no tom, como neste trecho: "Strier coleta as fezes com uma tenaz e me mostra a coisa, como se fosse um pedaço duvidoso de sushi entre palitinhos, antes de colocá-lo dentro do frasco."

É um catatau (bem, na versão eletrônica não pesará tanto fisicamente), o que resulta em um preço um tanto alto. Porém, repito, vale a pena.

*O panda gigante é citado apenas três vezes ao longo do livro. E, em todas, unicamente como uma descrição da coloração do indri. Não deixa de ser uma proeza à parte.