sexta-feira, 5 de março de 2010

Além de Darwin (Reinaldo José Lopes) - 2

Reinaldo José Lopes é jornalista de ciências formado pela USP, onde completa seu doutorado em línguas. Especialista em Tolkien, e autor do blogue Carbono 14 sobre arqueologia, trabalha atualmente no jornal Folha de São Paulo.

Ao fim do ano passado, lançou o livro "Além de Darwin", uma compilação e atualização dos textos que publicou no blogue/coluna Visões da Vida no portal G1.

Tenho aqui uma regra informal de não resenhar livros de amigos e resenhar "Além de Darwin" seria particularmente cabotino, já que, como eu atazanei tanto o autor em seus textos no Visões da Vida, ele, certamente sob influência etílica, acabou por colocar meu nome na seção de agradecimentos (ele teria querido dizer algo como: "agradeço a Eru por ter me dado paciência para resistir aos ataques infames do enviado de Mordor, Roberto Takata" e, por um erro na diagramação, a parte em vermelho acabou deletada na versão final que foi para o prelo). Além disso, há já várias excelentes resenhas:
O que eu teria a acrescentar? A rigor, nada. Mas Big Mike (a.k.a. Aragorn) pediu e não se recusa o pedido de Big Mike (corintiano da raça, apesar das ilusões do pai em contrário).

Então ei-la.

A maioria dos resenhistas destacam o humor - entre o leve e o picante. É verdade, o texto é muito bem humorado. Mas não se deixe enganar com a pena da galhofa: o autor apresenta aspectos altamente técnicos e intrincados da biologia evolutiva revelados por pesquisa recente de ponta. Não se trata de um conhecimento superficial de "prezrelises" de instituições científicas e agências internacionais de notícia, Lopes vai cavocar os dados na própria literatura técnica (e como jornalista ainda tem o privilégio de entrevistar os cientistas).

A mistura disso com citações do erudito - mitologia grega (Guerra de Troia) e nórdica (Odin e seus corvos) - com o e do popular - personagens de quadrinhos (Garfield) e bloquebústeres (Alien) não é uma cortina de fumaça ou uma salada doida para tornar tudo palatável - sim, *é* palatável (e mais do que isso, uma iguaria bem feita). Cada coisa está em seu lugar - são elementos que são fundamentais na apresentação e explicação de fenômenos biológicos complexos ao público leigo de modo que estes possam acompanhar. Mas sem insultá-los com abusos excessivos de comparações fáceis. Carlos Hotta em sua resenha para o Brontossauro no meu Jardim comparou o estilo com o de Zimmer, eu diria que isso é mais algo reminiscente a Gould, porém despojada da über erudição (aquela que entra no terreno do pedantismo: "Sim, eu sei sobre isso. Não que importe para o contexto, mas veja como sou profundo.", coisa que o próprio Gould reconhecia como uma característica sua).

Para não dizer que só elogio, duas observações pontuais (naturalmente, impertinentes).

1) Se Lopes evita o extremo oposto do hermetismo e pedantismo, vez por outra namora com supersimplificações (frases de efeitos que certamente ajudam a fixar na memória do leitor o espírito de uma ideia, mas que podem induzir a um entendimento errôneo) e, por vezes, não parece enfatizar suficientemente o caráter polêmico (pouco aceito ainda pelo mainstream acadêmico) de certas hipóteses que apresenta (isso fica complicado pois a prosa de Lopes é muito convincente e sedutora). Por opção consciente, Lopes usa linguagem finalista. Ele adverte o leitor de que é apenas um atalho. Mas não gosto de expressões como "[c]omo as patas surgiram para nadar".

2) Outro ponto é muito parecido (pra não dizer igual), ao levantado por Luiz Bento no Discutindo Ecologia. No capítulo final, Lopes procura expor sua visão da conciliação entre os dois magistérios gouldianos, mas com prevalência da mitologia cristã (mitologia aqui, em parte, no mesmo sentido da citação que faz em seu texto: "nome que a gente gosta de dar para a religião dos outros"): "diante da Árvore colossal, maior do que a soma das partes, a razão é o que menos importa". Isso acabaria desfazendo grande parte do que Lopes desenvolve no restante do livro, incluindo sua crítica aos defensores do criacionismo (particularmente na forma do "design inteligente") ou mesmo a crítica aos "racionalistas" radicais (especialmente os ateístas militantes). Há aspectos em que a razão não deve ser o fator preponderante, mas não o que importe menos. Especialmente em se tratando da apreciação sobre o Universo - se não por outra coisa porque a grandeza da Árvore só foi revelada justamente pelo uso da razão (o Universo não é apenas maior do que a Terra, do que o Sistema Solar ou mesmo do que a Via Láctea - ele é, por todos os dados que temos, muito maior do que nem sequer podemos imaginar; é graças aos espectroscópios com medidas precisas de desvio para o vermelho das galáxias, mensurações da radiação cósmica de fundo e cálculos complexos que podemos estimar o tamanho colossal do Universo visível) ou, na famosa e manjada frase de Darwin, "há grandeza nessa visão".

Outras observações impertinentes menores aqui.

Com o aviso de praxe da suspeição a respeito deste avaliador: tudo somado, o livro vale mais do que a pena, mesmo para o leitor com formação técnica (afinal é impossível um especialista saber de tudo mesmo em sua própria área e Lopes consegue desenvolver explicações que pode ajudá-lo a se comunicar seja com seus alunos, seja com o público em geral, além de observações originais que nos fazem pensar mais a respeito de fenômenos velhos conhecidos dos especialistas). E reforço a recomendação: o livro é curto e muito gostoso de ler, mas *não* o trate como livro de mesa de café (volte e releia, *especialmente* se achar que tiver entendido).

Ele pode ser obtido com desconto, autografado e com dedicatória enviando o pedido para: reinaldojoselopes(arroba)hotmail(ponto)com. Um exemplar será sorteado no Gene Repórter.

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Outras leituras:
  • Dawkins, Richard. 2009. The greatest show on Earth. Bantam Press. 470 pp.
  • Mayr, Ernst. 2004. Biologia, ciência única. Cia. das Letras. 266 pp.
  • Zimmer, Carl. 2003. O livro de ouro da evolução. 3a. ed. Ediouro. 568 pp.
Upideite(27/mar/2010): Vídeo da entrevista de Lopes ao Programa do Jô em 25/mar/2010

Um comentário:

forasteiro disse...

Gostei muito da resenha. Tinha curiosidade em ler o livro, porém estava relutante, com medo de que o livro apresentasse alguma tendência à essa visão mística. A frase "diante da Árvore colossal, maior do que a soma das partes, a razão é o que menos importa" aqui citada me fez decidir, muitos outros livros passaram a frente desse na minha lista de aquisições.